quarta-feira, 18 de maio de 2011

A igreja e o descanso do coração

Fiquei pensando um pouco sobre meu post de ontem.

Para uma certa parcela de nossa sociedade, o post é válido. São aqueles que conseguem tocar a vida, mesmo que na corda bamba, com alguma "facilidade". Normalmente, identificados como classe média.

Mas, pensei, e a grande parcela de nossa população? Gente que não tem a menor escolha. Para esses não é uma questão de "necessidades fabricadas pela propaganda". Não. Para esses o negócio é comida, aluguel, transporte, roupas. Aquilo que a constituição, de forma até meio cínica, diz:

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)

IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;"

O que então, como igreja, temos a ver com isso?

Em tempos como os nossos, eu não tenho dúvida que vou parecer fora do contexto. Até um pouco sonhador, ou louco. Cá entre nós, eu vou até gostar se isso acontecer :-)

Vamos dar uma olhada no primeiro exemplo, se não me engano, de ofertas no Novo Testamento:

"Naqueles dias, desceram alguns profetas de Jerusalém para Antioquia, e, apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a entender, pelo Espírito, que estava para vir grande fome por todo o mundo, a qual sobreveio nos dias de Cláudio. Os discípulos, cada um conforme as suas posses, resolveram enviar socorro aos irmãos que moravam na Judéia; o que eles, com efeito, fizeram, enviando-o aos presbíteros por intermédio de Barnabé e de Saulo.
(Atos 11:27-30)"

Não se faz Teologia, não se extrai doutrina do livro de Atos, diz a boa regra da hermenêutica reformada.

Então, vamos dar uma olhada no seguinte texto, muito usado em algumas igrejas no momento da coleta das ofertas:

"Porque, se há boa vontade, será aceita conforme o que o homem tem e não segundo o que ele não tem. Porque não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância, no presente, a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta, e, assim, haja igualdade, como está escrito: O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta.
(2Co 8:12-15)"

Eu vou ser o mais direto que eu posso: Em um país como o nosso - sendo mais honesto, em um mundo como o nosso - onde uma quantidade enorme de irmãos não tem o suficiente para comer, como podemos conviver com a fartura em nossas casas?

Sim, porque onde falta até saneamento básico - sendo direto de novo: o cocô corre a céu aberto - ter um banheiro em casa é fartura. Imagina dois, três. Onde falta uma refeição completa por dia, poder comer três refeições, mesmo que arroz com feijão, é fartura. Imagina então, jantar toda a semana em bons restaurantes.

Eu e você fomos criados em uma sociedade que está longe, muito longe, de ser cristã na forma ensinada no Novo Testamento. Na verdade, se formos dar uma olhada no Antigo Testamento, veremos que somos ensinados sobre o cuidar do próximo por toda bíblia:

"Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao SENHOR? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então, romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda; então, clamarás, e o SENHOR te responderá; gritarás por socorro, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o dedo que ameaça, o falar injurioso; se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita, então, a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia.
(Isa 58:5-10)"

"Aborreço, desprezo as vossas festas e com as vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e vossas ofertas de manjares, não me agradarei deles, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais cevados. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. Antes, corra o juízo como as águas; e a justiça, como ribeiro perene.
(Amós 5:21-24)"

É isso o que aprendemos? Não! Aprendemos, desde pequenos, a sermos os melhores, a buscarmos o melhor, a estarmos nos primeiros lugares. Porque a competição é ferrenha. O meu companheiro de faculdade, assim como meu amigo de bola de gude, vai se tornar meu concorrente no mercado de trabalho.

Nesse mundo, não há espaço para medíocres - medianos. Eu fico me perguntando quando ouço isso, e dentro de igrejas, se as pessoas sabem fazer contas. Não existe possibilidade de não existir médias. Quando nos dizem que não podemos ser medíocres, estão dizendo que todos seremos "cabeça e não cauda", que todos seremos "os melhores". Mas, nesse mundo, qual é a média - ser mediano?

Bem, voltando ao ponto. Em um país de desigualdade de condições como o nosso, igrejas "ricas" não deveriam existir. Se eu for bíblico de verdade, minha alma não pode descansar enquanto eu souber que existe algum irmão em Cristo, esteja ele onde estiver, vivendo em condições de miséria.

O pior é que, na maioria das vezes, não haveria necessidade de pensarmos nos "irmãos do nordeste". Basta olhar na janela de nossas igrejas, e vamos ver a cara da miséria, seus dentes rindo para cada um de nós, na forma dos barracos nos nossos morros. Ou dos barracos debaixo de nossos viadutos.

Assim, como podemos ser igreja cristã e convivermos com isso sem o menor problema? Como podemos andar em nossos carros com ar condicionado enquanto nossos irmãos se espremem nas conduções coletivas?

Estou dizendo que não podemos vencer na vida? Que não podemos dar uma educação da melhor qualidade para nossos filhos? Que não podemos curtir nossas férias? Que não devemos tentar sempre fazer o melhor?

Não. De forma nenhuma.

Devemos fazer tudo isso, mas com a motivação certa. 

Estou dizendo que, dadas as nossas condições como nação, temos que diminuir um pouco nosso nível, se necessário, para que nossos irmãos na fé possam ter o mínimo. De novo, Paulo aos coríntios: "não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade".

Também não estou afirmando que a tarefa é simples, que dá para vivermos isso da noite para o dia. Tem muita gente (é isso só dá em "gente") que é encostada mesmo, que não quer nada. Mas tem gente que não teve as chances que eu e você - que pode me ler em um computador com acesso a Internet - tivemos. O que eu creio, e fortemente, é que essa é A tarefa da nossa geração. Pensar sobre isso. Pensar de novo. De novo. E agir, agir, agir!

Assim, até os mais pequeninos entre nós poderiam experimentar um Shabath como o que escrevi, por alto, ontem.

Como então poderíamos agir?

Isso é assunto para começarmos a pensar em um próximo encontro/post.

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