quinta-feira, 29 de março de 2012

Conforto, vida simples e cristianismo.


Confesso, antes de qualquer coisa que escrever, minha pecaminosidade. Não "para o mal", se pecado pudesse não ser para o mal. O que confesso é meu pecado de muitas vezes ser extremo em algumas coisas.

O dinheiro e o trato dele é uma dessas coisas que tenho uma tendência "extrema". Dessa forma, peço desculpas antecipadas por qualquer coisa que escreva. Sempre, sempre, meu intuito é pensar junto com os irmãos (que coisa maravilhosa essa!) sobre aquilo que o Senhor nos ensina em sua Palavra.

Em relação ao tema "dinheiro", um dos textos mais importante, no meu ponto de vista, é esse (2 Co 8:8-15):

Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor;  pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos.  E nisto dou minha opinião; pois a vós outros, que, desde o ano passado, principiastes não só a prática, mas também o querer, convém isto.   Completai, agora, a obra começada, para que, assim como revelastes prontidão no querer, assim a leveis a termo, segundo as vossas posses. Porque, se há boa vontade, será aceita conforme o que o homem tem e não segundo o que ele não tem. Porque não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância, no presente, a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta, e, assim, haja igualdade,  como está escrito: O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta.

Penso que aqui temos um bom resumo do tratamento do dinheiro. (Aliás, de passagem: Jesus falou mais sobre dinheiro do que sobre qualquer outra coisa...):

1) Abundância de uns supre a falta de outros
2) Não é "bandalha".. Não é para sobrecarregar quem tem. E, sendo sistemático, não é para sustentar preguiçoso. "Quem não trabalha, não coma", disse o mesmo autor de coríntios à Igreja dos tessalonicensses.
3) Há uma igualdade em vista. Não entendo ser uma porta para o comunismo. Não acho que teremos igualdade em tudo. Há diferenças entre nós. Mas creio em uma igualdade de condições básicas para vida humana.

Quanto a esse texto, Simon Kistemaker diz: "Ele (Paulo) enfatiza uma igualdade material, para que os crentes abençoados com um superávit, de boa vontade partilhem seus bens com outros, que não têm como satisfazer suas necessidades básicas" (Comentário do Novo Testamento - http://www.editoraculturacrista.com.br/produtos.asp?codigo=92 - pg 402)

Além disso, não me esqueço do que li de Calvino no livro "O Pensamento Econômico e Social de Calvino" (http://www.editoraculturacrista.com.br/produtos.asp?codigo=250): "O pobre é o ministério do rico"

Aliás, esse livro seria muito importante como material para discussão de justiça social. É uma pena que está esgotado. Não deve ter vendido muito ;-) Nele, Calvino é duro em alguns momentos, como por exemplo:

"Reina um insaciável desejo de comprar, esbanja-se e pilha-se em despesas inúteis o que Deus destinara ao serviço de outrem. Bem se pode dizer que temos as entranhas mais duras que ferro, por isso que não somos movidos a outra disposição ao lermos a presente história (comentando sobre Atos). Então os fiés prodigalizavam abundantemente seus bens... mostravam abertamente e com franca sinceridade o que possuíam. E nós cogitamos e sonhamos mil meios oblíquos mercê dos quais para nós fraudulentamente arrebanharmos tudo quanto é coisa. Eles depositavam tudo aos pés dos apóstolos. E nós não nos envergonhamos de pilhar como assaltantes, mediante audacioso sacrilégio, o que foi consagrado e ofertado a Deus." ("O Pensamento Econômico e Social de Calvino" (http://www.editoraculturacrista.com.br/produtos.asp?codigo=250), pg 466)

Não devemos ser tolos. Calvino escreveu em uma época onde não tínhamos a realidade e a dinâmica econômica de nossos dias. Mas que não nos apanhemos com os mesmos subterfúgios que ele cita em seu comentário.

Em um mundo de extrema diferença social tão brutal, o texto bíblico citado tem que falar muito alto pra gente. Não apenas aos pastores, mas a você e a mim.

Nosso país tem melhorado, mas aproximadamente 50% das casas não têm saneamento básico. Mesmo que eu esteja errado nessa estatística, não podemos negar a realidade de uma favela de Manguinhos, aqui no Rio. Como podemos, como cristãos, conviver com isso ao nosso lado? Então, mesmo sendo lícito, devemos manter um estilo de vida caro? Mesmo que possamos, por nossos ganhos, nós realmente podemos conviver com nossos irmãos na fé sem acesso à saúde, educação, saneamento básico, moradia? Ou devemos usar aquilo que o Senhor tem nos dado para fazermos o que Paulo instrui em 2 Co 8?

Nas férias de janeiro li um livro muito bom do Dr Wesley Duewel, missionário na India por muitos anos. O título é "Avalie sua vida" (http://www.candeia.com.br/vidacrista/detalhes/livro43.html - a minha edição é mais antiga) . São capítulos como "avalia sua vida pelo seu amor", "avalie sua vida pelos seus investimentos"... No capítulo intitulado "avalie sua vida pelo seu sacrifício", eu grifei algumas coisas:

"da próxima vez que estiver pronto para gastar dinheiro em roupas, enfeites, ou na casa, pergunte a Deus se Ele tem alguma sugestão diferente a fazer. Na bíblia, a simplicidade está sempre associada à santidade"- pg 146

"Meus pais(...) gastavam o mínimo possível em suas necessidades pessoais. Comiam com simplicidade, viviam simplesmente e davam tudo o que podiam para as missões ou outros empreendimentos para Deus. Eu não herdei quase nada que pudesse ser medido financeiramente, mas recebi grande riqueza em termos de benção e oração."- pg 147.

Mas a melhor citação fala da história de Stanley Kresge. Ele era dono de uma grande empresa nos EUA, a K Mart Corporation. Doou muito dinheiro. Um missionário da mesma missão de Duewel os visitou. Ele diz que:
"certa vez ficou observando a Sra Kresge lutar com uma velha torradeira que se recusava a funcionar. (...) Em minha mente eu podia ver todas aquelas fileiras de torradeiras novas e brilhantes nas lojas K Mart em todo o país, mas ali estava ela com sua velha e usada peça de museu"- pg 148

No fim das contas, me pergunto se nosso problema mais radical não está assentado em nossa prioridade em relação ao reino, e nossa esperança de viver nesse reino. Se eu realmente tenho como alvo a Jesus e Seu reino, de que me valem as coisas materiais? Eu não me sinto um asceta. Acho que devemos desfrutar das bençãos que o Senhor tem nos dado. Podemos viver uma vida confortável. Nossos filhos podem, e devem, estudar nas melhores escolas que podemos pagar, por exemplo. Mas comprar, comprar e comprar... E aquilo que o "ladrão pode roubar e a traça comer"?

Meu sentimento é que podemos estar passando dos limites.

O que podemos fazer?

1) Pensar, sob a ótica da Palavra.
2) Orar, para entendermos a vontade do Senhor e não sermos radicais.
3) Pedir mais fé, como os discípulos, para realizar as mudanças que preciso em minha vida.
4) Propagarmos isso em nossas comunidades. Onde estou sou embaixador de Jesus, para ser sal e luz.

Pode ser simplista. Mas se fizermos isso, creio que o Senhor irá nos visitar.